Se tem um assunto que movimenta o universo dos vestibulandos é o tema da redação do ENEM. São inúmeras as especulações, apostas e teorias, mas agora, finalmente, temos acesso a ele de forma oficial! Que rufem os tambores: o tema da redação do Enem 2023 é: DESAFIOS PARA O ENFRENTAMENTO DA INVISIBILIDADE DO TRABALHO DE CUIDADO REALIZADO PELA MULHER NO BRASIL.
Vamos analisar juntos o que era esperado do participante ao elaborar um texto sobre esse assunto?
O que era esperado do aluno no texto?
Quem já conhece e se prepara para o ENEM sabe que os temas dos últimos anos discutiram questões de ordem social, como a garantia dos direitos, a preservação ambiental e a valorização da cultura, por exemplo. Neste ano, não foi diferente.
Para começar, o aluno deveria refletir sobre qual é a problemática em si, ou seja, a invisibilidade da mulher quando inserida em um contexto de trabalho de cuidado, a exemplo dos cuidadores de crianças e de idosos. A situação se torna um problema quando este tipo de labor não é devidamente reconhecido ou remunerado em muitas situações. Muitas vezes, a esposa que é “do lar”, cuida dos filhos em tempo integral e não tem sua função reconhecida como a de uma trabalhadora. Aquelas que trabalham fora, mesmo sobrecarregadas, não têm sua dupla jornada valorizada, pelo contrário, é uma condição considerada normal, rotineira.
Depois disso, era importante dizer os motivos que levam tal problema a acontecer, e a trajetória da mulher em sua relação com o trabalho na sociedade nos dá um panorama bastante claro sobre como chegamos a tal conjuntura. Sempre marginalizada face às suas ocupações, o papel de cuidar foi dado à mulher como uma de suas obrigações desde a juventude. Mulheres são criadas para o exercício da maternidade, do cuidado do lar, do zelo aos mais velhos e das tarefas externas que se limitem a práticas semelhantes. Com a expansão da atuação feminina no mercado de trabalho, essas ocupações permaneceram excluídas, em desigualdade, e não financiadas como deveriam, afinal, tratavam-se de tarefas que elas já deveriam fazer em meio à rotina.
A partir daí, o aluno deveria pensar também sobre por que o problema persiste: alguma vez você já parou para pensar no trabalho que as mulheres, ao longo da vida, exercem no lar, ao cuidar das crianças e dos idosos, sem que houvesse qualquer remuneração ou reconhecimento? É quase como se fosse instaurada a natureza de “obrigação feminina”. Fomenta-se, dessa forma, um pensamento que se torna comum, não passível de crítica ou discussão.
Quando se trata do trabalho de cuidado, as mulheres são a maioria em ocupação. A exemplo disso estão as faxineiras, babás, pedagogas, cuidadoras de idosos e de pessoas com deficiências, além de enfermeiras. Essas são algumas das carreiras com salários baixos, poucos benefícios e carga horária de trabalho irregular. Devido a tais condições precárias de trabalho, muitas dessas profissionais têm a saúde física e emocional comprometida.
Analisando o comando
Para não ser prejudicado na nota final, o aluno deve analisar detalhadamente o comando do tema, ou seja, ficar atento a cada uma das palavras-chave para não tangenciar a ideia.
Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil
Começamos pela palavra DESAFIOS. O aluno deve ser bastante claro em sua argumentação ao demonstrar que não é algo fácil de superar ou de ser resolvido, o que demanda um esforço de várias partes. Algumas palavras sinônimas para reforçar a ideia são impasses, dificuldades e empecilhos.
O ENFRENTAMENTO é o combate ao problema, ou seja, a forma de reverter o cenário apresentado.
INVISIBILIDADE é um termo chave para introduzir o assunto. As mulheres são invisíveis nesse contexto justamente por não haver um esforço na regularização desse tipo de labor, nem o reconhecimento a essas tarefas como um trabalho que demanda, e muito, o seu esforço.
Citamos anteriormente vários tipos de TRABALHO DE CUIDADO. Importante não se ater a apenas um, mas exemplificar alguns deles para não limitar a temática.
Tenha em mente que a discussão diz respeito ao papel da MULHER, logo, foque na figura feminina.
Por fim, o contexto da problemática é claro: o BRASIL. Isso não impede o aluno de falar a respeito do problema em outros contextos em um quadro comparativo, mas não deve se esquecer de que o foco é sobre como a situação ocorre na sociedade brasileira.
Informações sobre o tema
De forma a fundamentar a argumentação, o aluno pode citar fatos e dados como repertório externo ao citado nos textos motivadores, trazendo ainda mais credibilidade às ideias apresentadas em sua produção. Veja alguns deles relacionados à temática e suas fontes:
- Segundo o Laboratório Think Olga, os “trabalhos de cuidado” – incluindo as atividades domésticas e o cuidado de pessoas, desde crianças a idosos – equivale a cerca de 11% do PIB brasileiro. Esta cifra representa o dobro do valor produzido pelo setor agropecuário, e as atividades de cuidado não remuneradas realizadas por mulheres, no mundo, equivalem a quase US$ 11 trilhões – número que, comparado às economias do mundo, só está atrás das quatro maiores.
- A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) sobre Outras Formas de Trabalho 2019 define que as mulheres possuem um papel de destaque nos afazeres domésticos. No Brasil, 92% das mulheres realizam atividades domésticas, enquanto a taxa dos homens é de 78%. O número é ainda maior no Nordeste, onde 90% das mulheres realizam essas tarefas, em comparação com 69% dos homens.
- A pesquisa da Sempreviva Organização Feminista e da revista digital Gênero e Número, chamado “O trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, estima que 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém no período da pandemia do coronavírus. (…) Pouco mais de 70% das mulheres que participaram da pesquisa afirmaram que aumentou o trabalho de cuidado, especialmente com crianças, idosos ou pessoas com deficiência. Além disso, cerca de 40% das mulheres que seguiram com seus trabalhos “fora de casa” durante a pandemia, com manutenção de salários e carga horária, afirmaram que estão trabalhando mais na quarentena. (…) O estudo acrescenta ainda que, as mulheres que puderam passar a exercer seus trabalhos de forma remota (teletrabalho ou home office) tiveram acrescidas diversas dificuldades ao seu cotidiano. Primeiro, a mistura entre trabalho externo e doméstico cria uma rotina de esforço que parece não ter fim
- Segundo o IBGE, em 2050 haverá “cerca de 77 milhões de pessoas dependentes de cuidado (pouco mais de um terço da população do país) entre idosos e crianças”.
- De acordo com a Oxfam: “Se o 1% mais rico do mundo pagasse um imposto de 0,5% sobre sua riqueza nos próximos 10 anos, seria possível criar 117 milhões de empregos em educação, saúde e de cuidado para idosos”.
- Em uma decisão que pretende reparar desigualdades históricas e estruturais, o governo da Argentina reconheceu os cuidados maternais como trabalho, permitindo que mães possam contar com esse tempo para se aposentarem. (…) Se essa decisão fosse feita no Brasil, uma mulher próxima a se aposentar poderia somar ao seu tempo de serviço mais alguns anos pela criação dos seus filhos. Essa é uma conquista importante que tira da invisibilidade os cuidados maternais e reconhece as longas e múltiplas jornadas de trabalho das mulheres.
- Alexandra Kollontai: “O capitalismo colocou um fardo esmagador sobre os ombros da mulher: fez dela uma trabalhadora assalariada sem ter reduzido seus cuidados como governanta ou mãe”.
Proposta de intervenção
Para se dar bem na prova, o aluno tem que cumprir todos os critérios avaliativos. Um deles, a competência 5, exige que o candidato elabore uma proposta de intervenção com cinco elementos:
AGENTE: aquele que será responsável por solucionar o problema;
AÇÃO: aquilo que será feito para resolver o problema;
MODO/MEIO: a forma como será aplicada a ação;
FINALIDADE: o propósito e o efeito dessa ação;
DETALHAMENTO: uma informação adicional sobre pelo menos um dos elementos anteriores.
Veja alguns exemplos de proposta de intervenção sobre o tema deste ano:
- O Congresso Nacional – órgão do Poder Legislativo responsável por aprovar leis – e o Ministério do Trabalho devem aumentar a licença-paternidade de 5 dias para 120 dias — para dar apoio às mulheres —, por meio da aprovação e da instituição de uma lei que obrigue as empresas a providenciarem remuneração por esse período, de forma que tal benefício seja igual aos 120 dias garantidos às mulheres. Isso deve ser feito para que seja possível um envolvimento mais igualitário nos trabalhos de cuidado, de forma a gerar uma divisão equitativa desses esforços. Tal medida só pode, ademais, ser efetivada em conjunção com campanhas de conscientização, efetuadas pelo Ministério da Família, que eduquem a população sobre o caráter essencial dos trabalhos de cuidado.
- Cabe ao Ministério das Mulheres, em conjunto com o Ministério da Educação — órgãos do poder executivo responsáveis pela administração do direito das mulheres e da educação nacional —, incluir a economia do cuidado no sistema de contas nacional por meio da elaboração de parecer para o Projeto de Lei nº 638/19, em comissão parlamentar. Dessa forma, haverá o reconhecimento do trabalho de cuidado — realizado majoritariamente pelas mulheres brasileiras —, efetivando-se as políticas sociais e educacionais para uma igualdade laboral, social e econômica, entre os gêneros.
- Cabe ao Ministério do Planejamento e Orçamento, em conjunto com o Ministério da Previdência Social — órgãos do poder executivo responsáveis pela administração dos recursos financeiros nacionais —, o reconhecimento do trabalho de cuidado como um serviço essencial para todos os setores econômicos e, portanto, digno de remuneração. Tal ação será feita por meio de uma proposta de lei encaminhada ao Congresso Nacional, com a finalidade de enviar verbas para a aposentadoria das mulheres que têm realizado esse trabalho durante a vida. Dessa forma, o papel do gênero feminino nesse âmbito será devidamente reconhecido e, a longo prazo, terá justa remuneração, efetivando o reconhecimento equitativo garantido pela Constituição federal de 1988.
Esperamos que você tenha compreendido, por meio deste post, o que era esperado na redação do participante do ENEM 2023, e que você tenha se saído bem na prova! Até a próxima! 🙂