A educação escolar indígena é assegurada por lei no Brasil há mais de 10 anos. De acordo com o artigo 210 da Constituição Federal de 1998, “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.”.
Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, afirma a importância da construção de programas que ofereçam educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas. Dentre os seus objetivos, estão a recuperação das memórias históricas, a reafirmação das identidades étnicas indígenas, a valorização dos conhecimentos desses povos, dentre outros.
Apesar de leis como essas representarem um avanço em nossas políticas educacionais, já que interromperam a imposição de um currículo que buscava uniformizar a educação escolar desconsiderando as especificidades indígenas, elas não dão conta de garantir processos que, de fato, atendam às comunidades.
Ainda hoje, precisamos enfrentar muitos desafios nessa área. Para entender melhor essa situação, convidamos os professores Reinaldo Ye´kwanae e Ana Maria Machado para bater um papo sobre a educação escolar indígena no 5º episódio do Podcast Dá Ideia. Dá o play e continue a leitura para saber mais!
O que é educação escolar indígena?
Para entendermos o que é a educação escolar indígena, primeiro precisamos diferenciá-la de educação indígena.
A educação indígena envolve as culturas e os conhecimentos de cada povo, que são passados dos mais velhos para os mais novos no cotidiano, de acordo com a realidade e a vivência de cada comunidade.
Já a educação escolar indígena está relacionada à criação de escolas voltadas especificamente para esses povos, respeitando suas línguas, tempos próprios, culturas e especificidades em geral.
Afinal, para garantir um trabalho de educação escolar de qualidade, você tem que levar em consideração o contexto em que os estudantes estão inseridos, seus modos de vida e os instrumentos aos quais eles têm acesso, por exemplo.
Reflita: não dá para usar o mesmo livro didático usado na capital paulista para estudantes indígenas que vivem no meio de uma floresta, certo?
Então, para pensarmos em uma educação escolar indígena específica e diferenciada, é importante termos em mente que existem mais de 240 povos indígenas no Brasil atualmente.
Sendo assim, é certo que há uma imensa diversidade cultural entre esses povos e, consequentemente, os processos de educação escolar também precisam ser diferenciados.
Qual é a importância da educação escolar indígena?
Como já apontamos, a educação escolar precisa falar sobre a realidade que o estudante vive, na qual ele está imerso. O estudante precisa se identificar naquilo que ele está estudando.
Por isso é tão importante que as escolas indígenas tenham um processo específico, além de receberem os materiais certos e professores da comunidade.
As escolas indígenas são essencialmente comunitárias, assim como o dia a dia das comunidades.
Por isso, na grande maioria das vezes os professores são pertencentes à etnia, moram na comunidade, conhecem os alunos. Tudo o que é feito na escola é muito discutido na comunidade. Os processos são muito diferentes dos que vemos em grandes centros urbanos, por exemplo.
Então, falar sobre aquela realidade para os estudantes torna a comunicação com eles muito mais fácil e efetiva.
Como a educação escolar indígena começou?
Em várias comunidades, as escolas começaram por demanda dos próprios indígenas ou dos trabalhos missionários realizados nas áreas.
Porém, de acordo com a professora Ana Maria Machado, tivemos um marco importante na história da educação escolar indígena: a Constituição de 98, que prevê um ensino fundamental específico e diferenciado para essas comunidades, o que foi fortalecido pela LDB em 1996.
Por conta disso, a década de 1990 representou muito avanço nessa área até os anos 2000, com a implantação de escolas indígenas em várias aldeias, a formação dos cursos de magistérios para indígenas, etc.
Quais são as dificuldades da educação escolar indígena?
A educação escolar indígena enfrenta, ainda hoje, uma série de desafios. Eles estão relacionados ao respeito dos tempos e atividades sociais que acontecem em cada escola, à formação de professores, à produção de materiais didáticos específicos para cada povo e língua, à infraestrutura das escolas, à contratação de professores, dentre outros.
Por exemplo: enquanto, por um lado, existe um consenso sobre a importância de que os projetos pedagógicos nessas comunidades sejam conduzidos por indígenas, por conta do idioma, costumes e calendários próprios de cada povo, por outro são feitos grandes cortes nos cursos de magistério e superiores voltados para a formação de professores indígenas.
Também existe um grande problema no processo de contratação desses professores, já que muitas vezes elas são informais e acabam afetando a qualidade do ensino.
De acordo com o Censo Escolar de 2017, quase 31% das escolas indígenas não têm um espaço físico construído pelo poder público para funcionar. Assim, as aulas são ministradas em locais improvisados, como casas comunitárias, emprestadas de professores, moradores…
Ainda segundo o Censo, 33% das escolas indígenas não possuem material didático específico para a diversidade sociocultural.
Já deu para ter uma ideia dos desafios enfrentados, certo?
Para os professores Reinaldo Ye´kwanae e Ana Maria Machado, um dos maiores desafios sempre foi conseguir o reconhecimento do Estado sobre a diversidade cultural dos povos indígenas para conseguir levar isso para as escolas, de fato.
Quer um exemplo prático? A LDB prevê 200 dias letivos. Porém, se pensarmos que cada um dos mais de 240 povos têm suas realidades específicas, tempos, calendários e rituais, perceberemos que fica muito difícil conseguir cumprir esses 200 dias. Essas são questões-chave que precisam ser respeitadas em uma escola indígena.
Quais são os outros fatores que impactam a educação escolar indígena?
A responsabilidade e a coordenação nacional das políticas de educação escolar indígena são responsabilidades do Ministério da Educação (MEC). Já cada estado e município precisa se responsabilizar por colocar essas políticas em prática.
O monitoramento é feito pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que deve conferir se tudo está sendo feito.
Porém, esse próprio órgão afirma que a educação escolar indígena depende completamente de outras políticas voltadas a esses povos, como gestão territorial, saúde, dentre outros.
De acordo com os professores, é fato que o Estado tem muitas dificuldades para implantar as políticas de educação nos níveis de especificidade necessários para os povos indígenas. Porém, não é só isso.
Os povos indígenas enfrentam, atualmente, uma série de problemas e, sendo assim, fica difícil ter tempo e os meios necessários para se dedicar às políticas de educação. Outras demandas são tão prioritárias, como a garantia do território próprio, que os conteúdos das escolas acabam ficando em segundo ou terceiro plano.
Então, como lidar com toda a diversidade?
Segundo a professora Ana Maria Machado, é impossível usar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um documento que define as aprendizagens essenciais do ensino básico, para a enorme diversidade sobre a qual a educação escolar indígena precisa dar conta.
Por isso, um dos instrumentos que cada escola indígena tem é a construção do seu próprio Projeto Político Pedagógico, também conhecido como PPP.
O PPP é feito pela própria comunidade. Ou seja, o currículo escolar é criado por cada povo. É pensando no calendário da comunidade que se constrói o calendário escolar.
Porém, um dos grandes impasses enfrentados é fazer com que os PPPs sejam reconhecidos pelos conselhos de educação, já que às vezes eles entram em divergência com a BNCC. Sendo assim, eles acabam não sendo suficientes por não conseguirem se enquadrar nos padrões exigidos pelas secretarias de educação.
Portanto, quando falamos de políticas públicas que atendam às necessidades da educação escolar indígena, não podemos dizer sobre a imposição de diretrizes que não atendam à diversidade desses povos.
Pelo contrário: as escolas indígenas precisam do auxílio dos órgãos educacionais. Isso quer dizer que os professores e a comunidade, como um todo, precisam ser ouvidos e incluídos em instituições como as secretarias de educação, para que se tornem executores das políticas públicas relacionadas ao ensino.
Afinal, as peculiaridades da educação escolar indígena são asseguradas por leis, e são nelas que se sustentam a importância dos processos diferenciados. Porém, ainda não conseguimos colocar isso em prática de forma plena.
Além disso, para conseguir uma educação escolar indígena de qualidade, precisamos que outras demandas essenciais sejam atendidas, como território e meio ambiente.
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