Em 2024, o tema da redação do Enem foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil“.
Nosso país é marcado por uma herança cultural rica e diversa, fortemente influenciada pela presença africana ao longo de sua história. No entanto, apesar das contribuições significativas dos povos africanos na formação da identidade nacional, a valorização dessa herança ainda enfrenta obstáculos profundos.
Neste conteúdo, você confere como escrever sobre esse assunto, etapa por etapa. Ao final, vamos te mostrar uma redação pronta com o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”! Vamos lá?
Herança africana no Brasil: conheça exemplos
A história do Brasil com os países africanos começou há séculos, com a escravização durante o período colonial. Na época, povos de diferentes regiões do continente foram trazidos para cá de forma forçada para terem sua força de trabalho explorada.
Para além de toda a luta e resistência que precisaram construir em terras brasileiras, porém, esses povos também contribuíram para a construção de uma identidade e de uma cultura que nos acompanha até hoje. Essa herança se apresenta em diversas facetas do nosso cotidiano. Veja, a seguir, algumas.
Música e dança
Alguns dos ritmos considerados “tipicamente brasileiros” nasceram a partir de ritmos africanos, como o lundu e o batuque. É o caso do nosso samba, que, mesmo hoje, ainda busca manter vivas essas raízes tradicionais.
E não para por aí: instrumentos musicais de origem africana também passaram a fazer parte de vários dos nossos ritmos. É o caso do atabaque, do agogô, do berimbau e da conga.
Na dança, ganham destaque o maracatu, o jongo, o afoxé, e o maculelê, manifestações culturais africanas que ganharam espaço no Brasil. Além deles, a capoeira — uma mistura de luta e dança — também passou a fazer parte da nossa cultura.
Culinária
Se você nunca comeu, com certeza já ouviu falar de pelo menos um prato que foi transformado pela cultura africana no Brasil. O exemplo mais comum é a feijoada, inicialmente portuguesa, mas que ganhou uma nova versão — mais brasileira — graças aos africanos escravizados que aproveitavam partes menos nobres do porco.
Comidas típicas do nordeste e das nossas festas de junho também têm origem africana. O vatapá, o acarajé, o caruru, o mungunzá, a canjica e a moqueca (principalmente a baiana) têm influências sobretudo da Nigéria e do Benim.
Além disso, muitos dos nossos temperos vêm dessa relação com países africanos. O uso de ingredientes como azeite de dendê, quiabo, pimenta e coco, por exemplo, também vêm daí.
Religião
O candomblé, a umbanda e o batuque são religiões afro-brasileiras com forte presença de rituais, mitologia e valores vindos de povos como os iorubás, bantos e jejes. Além disso, a noção de orixás (divindades) também é um legado africano.
Durante o período da escravidão, os diferentes povos africanos eram proibidos de praticar livremente suas religiões. Como forma de resistência, muitos passaram a associar os orixás aos santos católicos — geralmente por semelhanças em atributos, símbolos ou histórias.
Surgia, assim, o sincretismo religioso, ou seja, a fusão de elementos de diferentes religiões. Esse sincretismo, porém, não foi apenas estratégico: ele também representa a capacidade de adaptação e resistência das culturas africanas.
Estética
O uso de tranças, turbantes, penteados afro e tecidos como o kente é um resultado da ancestralidade africana.
Mesmo o resgate do cabelo crespo e o abandono de tratamentos para alisamento — muitas vezes forçados a meninas negras graças a um padrão estético europeu e branco —, que ganhou força no fim dos anos 2010, também é uma manifestação dessa herança. Afinal, é uma forma de resistência e de orgulho da ancestralidade negra.
Língua
Mesmo a língua portuguesa é marcada pela raiz africana. Várias das palavras que usamos no dia a dia — como moleque, bunda, xingar, cafuné — vêm de línguas africanas, como o quimbundo, o iorubá e o banto.
Mas não para por aí: a oralidade como forma de transmissão de saberes é uma herança muito forte, presente em contação de histórias, provérbios e cantos. As brincadeiras de roda, algumas músicas infantis e mesmo o ritual de passar ensinamentos geracionais também são reflexo do impacto africano na nossa construção social.
Arte
Intelectuais afro-brasileiros também tiveram um importante impacto na nossa arte e estética. Um exemplo foi o Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos), falecido em 2013, cuja obra combinava arte e religiosidade afro-brasileira (especialmente o candomblé).
Abdias do Nascimento, um dos maiores expoentes da cultura negra e dos direitos humanos no Brasil e no mundo, chegou a ser indicado ao Nobel da Paz de 2010. Ele fundou o Teatro Experimental do Negro, que divulgava a cultura africana e era um símbolo de resistência. Além disso, atuou como professor nas maiores universidades do mundo, escreveu e lutou em grupos políticos. Por fim, chegou a ocupar cargos políticos no Brasil.
Lélia Gonzalez foi uma intelectual, antropóloga e ativista, autora de diversos livros que teorizam sobre o racismo à brasileira e a importância das mulheres negras. Ela também foi a responsável por trabalhar o conceito de “amefricanidade”, mostrando a união entre culturas da América Latina e da África.
Quais são os principais desafios para a valorização dessa cultura?
Embora seja muito importante para a identidade brasileira, a cultura dos povos africanos ainda não é devidamente valorizada. Os motivos são vários e você pode conferir, abaixo, os principais.
1. Racismo estrutural
O racismo faz parte da cultura brasileira e está presente em suas manifestações desde o período da escravidão. Mesmo com o passar dos anos e com a implementação de políticas “reparadoras”, que visam ampliar a igualdade social, ele ainda aparece em ações cotidianas — por isso, é reconhecido como um racismo “estrutural”.
É graças a ele que a cultura africana ainda é vista por muitos com estigmas negativos, especialmente nas suas manifestações religiosas. Além disso, símbolos da negritude — como cabelos crespos, turbantes, danças e ritmos de origem africana — tendem a ser pouco aceitos socialmente.
Por consequência, a valorização dessa cultura fica prejudicada, uma vez que precisa batalhar contra um comportamento considerado “natural” na sociedade brasileira.
Para se aprofundar:
- Pequeno manual antirracista, de Djamila Ribeiro: Um guia acessível e direto para compreender e combater o racismo no cotidiano.
- AmarElo – É tudo pra ontem (Netflix): Documentário de Emicida sobre cultura negra, racismo e história do Brasil.
2. Intolerância religiosa
A intolerância religiosa se manifesta quando grupos não aceitam que uma ou mais pessoas acreditem e pratiquem crenças diferentes das suas. As religiões de matriz africana são as que mais sofrem com esses ataques.
De acordo com os dados do canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Disque 100, o Brasil registrou mais de 3.850 casos de intolerância religiosa em 2024 — um aumento de 80% em comparação ao ano anterior. Desses, as religiões que registraram o maior número de violações foram a umbanda e o candomblé.
Ela se manifesta não só durante os ataques físicos a locais considerados sagrados, mas também a partir de comentários maldosos, exclusão de praticantes dessas religiões etc.
Para se aprofundar:
- Religiões negras do Brasil, de Roger Bastide: Clássico da sociologia brasileira sobre as religiões afro-brasileiras.
- Barravento (1962): Mostra o conflito entre tradição religiosa iorubá e ideias modernas na Bahia.
3. Falta de representatividade na educação
A Lei n.º 10.639/2003 torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, mas muitas não aplicam esse conteúdo de forma efetiva. De fato, a história africana e afro-brasileira ainda é pouco valorizada no currículo escolar e poucos materiais abordam o continente africano para além da escravidão.
A verdade, porém, é que os diferentes povos africanos têm histórias distintas de independência, resistência e luta. Além disso, têm uma ampla influência na economia, na saúde e na produção artística e cultural.
Nesse sentido, é fundamental que a nossa educação seja capaz de representar esses países de forma diversificada — inclusive parando de se referir ao continente como algo uniforme, reduzindo suas identidades ao adjetivo “africano”. Assim, poderemos parar de ter essa imagem da África como um continente de pobreza e doenças.
Para se aprofundar:
- Lugar de Negro, de Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg: Crítica à exclusão da cultura negra nos espaços de ensino e poder.
- Quanto vale ou É por quilo? (2005): Faz uma crítica à permanência do racismo na educação e nas políticas públicas.
- M8 – Quando a morte socorre a vida (2020): Um estudante negro de medicina enfrenta o racismo na universidade.
4. Invisibilização nos espaços de poder
Você sabia que a produção cultural afro-brasileira nem sempre tem o mesmo acesso a editais, patrocínios e espaços de visibilidade? Artistas e intelectuais negros muitas vezes não recebem o devido reconhecimento, seja a partir do acesso às oportunidades de mostrar o seu trabalho, seja a partir de reconhecimento financeiro.
Graças a isso, ficamos com a impressão de que esses artistas e intelectuais não existem, ou produzem pouco, ou falam de assuntos nichados, que não competem à população como um todo — ideias que não poderiam estar mais distantes da realidade.
Para se aprofundar:
- Mulheres, raça e classe, de Angela Davis: Debate interseccionalidade, poder e exclusão de mulheres negras.
- O que é lugar de fala?, de Djamila Ribeiro: Reflexão sobre quem pode falar, ser ouvido e ocupar espaços de poder.
- Medida provisória (2022): Fábula distópica que trata do apagamento e da resistência negra.
- Estrelas além do tempo (2016): Baseado em fatos reais, mostra a atuação de mulheres negras fundamentais para a NASA.
5. Apropriação cultural
A apropriação cultural costuma ser um tema polêmico — e já foi cobrado no vestibular: em 2024, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) exigiu uma redação sobre o assunto.
De forma geral, ele diz respeito ao uso de elementos da cultura africana que são frequentemente adotados por pessoas e empresas que não pertencem a essa tradição e não respeitam seu significado ou origem.
Um exemplo bastante comum é o uso de turbantes e tranças como “moda exótica”, ou de músicas de matriz africana esvaziadas de contexto.
Para se aprofundar:
- A apropriação cultural, de Rodney William: Aborda diretamente o conceito de apropriação cultural com exemplos, reflexões e implicações éticas.
- A cor do Brasil (2015): Mostra como o Brasil constrói e manipula sua imagem de país miscigenado e “sem racismo”, apagando a cultura negra no processo.
6. Falta de acesso e incentivo à cultura
A ausência de políticas públicas consistentes para valorização e preservação das culturas afro-brasileiras dificulta não só a sua preservação, mas a sua difusão.
Graças à desigualdade social (outra consequência do racismo estrutural), jovens — sobretudo negros — não têm acesso à produtos culturais que falem sobre suas origens. Além disso, a formação em artes, dança, literatura ou música se torna mais difícil para essas pessoas, sobretudo devido ao estigma que esses cursos carregam.
- A Cultura e o Tempo, de Stuart Hall: Clássico sobre identidade cultural, pertencimento e como a cultura pode ser distorcida ou instrumentalizada.
- O caso do homem errado (2017): Documentário que retrata a morte de um homem negro em Porto Alegre, abordando as estruturas que também limitam o acesso à cultura.
Saiba como construir uma redação sobre o tema, passo a passo!
Agora que você já entendeu um pouco mais sobre o tema central da redação, que tal conferir exatamente o que falar em cada uma das suas etapas? Continue lendo e saiba mais!
O que falar na introdução da redação?
A introdução da redação tem duas funções principais: apresentar o tema e expor a tese do candidato.
O tema da redação a gente já sabe. Por isso, basta mencioná-lo de forma direta. Vale lembrar, nesse momento, que a herança africana é parte da constituição do nosso país e, por isso, está presente em diferentes partes da nossa cultura: religião, culinária, formas de vestir, esportes, música etc.
A sua tese, por outro lado, tem como função indicar para o corretor da redação o ponto de vista que você assumirá ao longo do seu texto. Por exemplo: você pode defender que um dos desafios para a valorização da herança africana é o racismo estrutural. Ou, por outro lado, pode argumentar que é uma falha educacional.
Lembre-se: um texto dissertativo-argumentativo deve conter tanto os fatos, quanto a sua posição sobre o assunto. Neste primeiro parágrafo, portanto, você precisa reunir esses elementos e articulá-los.
Nesta etapa, você também pode:
- Usar citações na redação. Começar o seu texto com uma citação que se adeque ao tema já é uma maneira de mostrar ao corretor que você tem conhecimentos sobre aquele assunto.
- Mostrar o seu repertório sociocultural. Filmes, notícias, livros etc. podem estar ligados ao tema e à sua tese, então por que não citá-los já no começo?
Como elaborar o desenvolvimento?
Na etapa do desenvolvimento da redação, você deve apresentar ao corretor os argumentos que sustentam a sua tese. Para isso, você pode usar de dois a três parágrafos.
Este é o momento de:
- Usar dados na redação. Os dados são uma excelente maneira de reforçar o seu ponto de vista, uma vez que corroboram de forma concreta com aquilo que você está defendendo. Por isso, cite pesquisas, reportagens, leis etc.
- Usar os textos de apoio. Embora você não possa copiar os textos de apoio, eles estão ali para orientar parte do seu desenvolvimento na redação. Por isso, não os deixe de lado!
- Explorar diferentes estratégias argumentativas. Mais do que só expor o seu ponto de vista, que tal construí-lo de forma a relacioná-lo com outros fatos e acontecimentos?
Também é importante manter em mente que o desenvolvimento é o maior pedaço da sua redação, e onde serão avaliadas 4 das 5 competências do Enem. Por isso, dedique-se a ele!
E lembre-se: manter a coesão e coerência é fundamental. Então nada de argumentos que se contradizem, nem de esquecer os conectivos!
E a conclusão?
O parágrafo de conclusão, assim como o de introdução, tem duas funções principais: retomar as ideias do texto e apresentar uma proposta de intervenção.
Ao retomar as ideias do seu texto, lembre-se de recuperar a sua tese — afinal, é nela que se baseia toda a sua argumentação. Outra dica importante é não abrir mão dos conectivos, responsáveis pela articulação dos seus parágrafos e frases.
Além disso, uma boa proposta de intervenção é constituída por cinco partes. São eles:
- O agente, isto é, o responsável por executar a ação — em geral, um dos GOMIFES;
- A ação em si, ou seja, o que precisa ser feito;
- O modo como essa ação pode ser executada;
- A finalidade dessa ação;
O detalhamento, isto é, a explicação de um desses outros componentes.
Redação pronta sobre o tema
Agora que você já entendeu como escrever sobre o tema do Enem 2024, pode conferir uma redação pronta sobre o assunto. Lembre-se, ler redações prontas é uma maneira simples de:
- se familiarizar com a estrutura da redação;
- expandir o seu repertório sociocultural;
- aprender a identificar errinhos e pontos de melhoria no seu trabalho.
Vamos lá:
No filme “Pantera Negra”, dirigido por Ryan Coogler, é explorada a riqueza da cultura africana através da ficção científica, apresentando Wakanda como uma nação avançada e cheia de tradições. Um aspecto relevante da obra é a celebração da identidade africana e a valorização das tradições e dos costumes do continente. Entretanto, fora da ficção, tal cenário não se faz presente na atualidade, tendo em vista que os desafios para a valorização da herança africana no Brasil ainda persistem. Nesse sentido, é preciso analisar como a falta de educação sobre a história afro-brasileira e a perpetuação de estereótipos raciais contribuem para esse empecilho.
Sob esse viés, pode-se apontar a falta de educação sobre a história e cultura africana e afro-brasileira como fator motivador do problema. Tal fato ocorre pois as contribuições africanas para a formação cultural e histórica do Brasil são frequentemente minimizadas nos currículos escolares. Comprova-se isso a partir de um estudo realizado pelo Instituto Alana e Geledés – Instituto da Mulher Negra -, no qual o resultado aponta que sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram ou fizeram poucas ações para implementar o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Logo, vê-se que a marginalização da cultura africana impacta negativamente na construção de uma identidade nacional mais plural e inclusiva, por isso esse cenário deve ser desconstruído.
Ademais, é importante salientar que a perpetuação de estereótipos raciais também constitui-se como um obstáculo, ao contribuírem para a deslegitimação das tradições afro-brasileiras, associando-as a imagens negativas e preconceituosas. Por exemplo, as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, frequentemente são retratadas na mídia como práticas associadas a superstições, feitiçaria ou violência, o que reforça a ideia de que seus adeptos são perigosos. Dados apresentados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro comprovam essa estigmatização, os quais demonstram que 70% dos casos de violência registrados no estado são contra praticantes dessas religiões. Evidencia-se, assim, que a desvalorização da herança africana é um entrave que precisa ser solucionado.
Portanto, tal cenário revela que a valorização da herança africana enfrenta grandes desafios. Logo, para a resolução desse problema, o Estado deve promover a inclusão da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, como iniciativas de formação para professores e desenvolvimento de materiais didáticos. Isso será colocado em prática por meio de campanhas de conscientização e revisão dos conteúdos educacionais, a fim de promover um entendimento mais profundo sobre sua contribuição para a cultura nacional. Além disso, o Estado deve combater a perpetuação de estereótipos raciais, para que, dessa forma, seja possível resgatar e valorizar a herança africana como parte essencial da identidade do país, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária.
Corrija sua redação do Enem!
O Enem já passou, mas a curiosidade para saber a nota da redação só cresce a cada dia, não é?!
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